domingo, 17 de abril de 2016

CONTATO (Contact, 1997)


"SE ESTIVÉSSEMOS SÓS NO UNIVERSO SERIA UM GRANDE DESPERDÍCIO DE ESPAÇO"

país produtor: Estados Unidos da América // direção: Robert Zemeckis // elenco: Jodie Foster, Matthew McConaughey, Tom Skerritt

sinopse: seres extraterrestres respondem aos sinais da primeira transmissão televisiva feita pelo ser humano (em 1936, durante os Jogos Olímpicos de Berlim), enviando o projeto de uma nave espacial que levará um único representante terráqueo à constelação de Vegas.

Metascore: 62 (from metacritic.com)

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Recentemente foi noticiado que o físico Stephen Hawking, o criador do Facebook Mark Zuckerberg e o bilionário russo Yuri Milner iniciaram um ambicioso projeto de exploração espacial. Intitulado Breakthrough Starshot, a sua meta será conhecer mais detalhadamente o sistema solar mais próximo, Alpha Centauri, distante 4,3 anos luz da Terra.

A ideia parece saída de um filme de ficção científica. Para tornar a exploração possível, os cientistas envolvidos usarão minúsculas sondas do tamanho de um microchip impulsionadas por laser. Assim, uma viagem poderá durar cerca de 20 anos, e não 30 mil anos, que é o tempo que se leva até Alpha Centauri com a tecnologia atual. Tal projeto custará 100 milhões de dólares (uma bagatela) e tem como objetivo encontrar planetas potencialmente habitáveis, para um longínquo dia em que a Terra se tornar inabitável.

Mais que o inéditos detalhes da exploração, o que realmente me impressionou foram os comentários no Facebook. Muitos internautas criticavam a empreitada, taxando-a de inútil: "Dinheiro em vão. Quantas pessoas morrem de fome e doença. Deveriam ajudar essas pessoas com o dinheiro que é gasto em pesquisas idiotas". Outros, religiosos, aproveitavam a deixa para enviarem suas mensagens, digamos, espirituais: "Pode procurar nas estrelas, em Marte, na Lua, no raio que o parta, mas só tem um lugar em que a sobrevivência e a vida é garantida, Jesus".

Diante de tamanha ignorância e demagogia, de imediato pensei em Contato, um quase clássico de ficção científica dos anos 1990. Um filme que não canso de rever e está, definitivamente, em meu coração.

Como definir a crença no desconhecido, no caso em seres extraterrestres, senão como um ato de fé? Pois bem, Contato, a partir dessa premissa inquietante, vai longe ao não negar a importância da espiritualidade para todos nós que um dia, diante da magnitude do universo, nos perguntamos se estamos realmente sós. A sua mensagem é que muito pouco sabemos e só nos resta unir forças entre ciência e religião, razão e fé, para trilhar o caminho da verdade. Só assim é possível entendermos o porquê de nossa existência.

Além de sua forte mensagem, Contato conta com dois ótimos personagens. Eleanor Arroway, interpretada na fase adulta por Jodie Foster, é uma cientista ética e corajosa. Com uma carreira acadêmica brilhante, se dedica a um campo da astrofísica muito mal interpretado pela comunidade científica: a busca por vida inteligente extraterrena. Em meio a suas pesquisas ela se apaixona, reciprocamente, por Palmer Joss (Matthew McConaughey), um respeitado guru espiritual. A relação entre esses personagens e o que eles representam (ciência e religião) poderia dar muito pano pra manga, mas o roteiro opta por não dar ênfase a uma conturbada história romântica. Há assuntos mais importantes a serem tratados.


Depois de alguns percalços quanto a falta de financiamento do governo americano, Arroway consegue um aporte privado para sua pesquisa, que possibilita o uso de imensos radiotelescópios para analisar sinais de baixa frequência vindos do espaço. Assim, Arroway vence as dificuldades financeiras, mas não a desconfiança da comunidade científica, representada por outro ótimo personagem, David Drumlin, um respeitado cientista, mas com um ego maior que seus escrúpulos.


Eis que um dia tudo muda (e o filme também). Arroway enfim capta um som forte e contínuo vindo das proximidades da estrela Vega. É aí que o enredo, até o momento sem grandes emoções, ganha um interesse incrível graças aos acontecimentos que se sucedem de forma admiravelmente plausível. É surpreendente a forma engenhosa que o roteiro encontrou para narrar como seria um contato extraterrestre. Não, nada de ETs esguios, carecas e de olhos grandes. Apenas um sinal sonoro que, decodificado, revela um grande manual para a construção de uma espécie de nave espacial que levará um único representante da Terra para um contato extraterrestre.


De imediato o governo americano toma conta de tão sensível informação e Drumlin, por sua posição dentro da esfera federal, tenta herdar os louros de tão impressionante descoberta. É então montada uma comissão para que se escolha o representante que irá ao encontro dos extraterrestres. Arroway é a favorita, mas perde pontos quando declara não acreditar em Deus. O escolhido acaba sendo Drumlin, que na sua explanação diz "o que todos queriam ouvir", e não a verdade, por mais incômoda que ela possa ser.

Além da escolha do representante, o filme foca de forma muito interessante em toda a discussão mundial que se segue à descoberta do sinal sonoro e a construção da enorme espaçonave. Programas de TV e reportagens expõem os receios e a excitação frente ao que está por vir (serão esses ETs confiáveis?). Very Large Array, o observatório onde foram descobertos os sinais, vira um circo, com milhares de pessoas, seitas e igrejas acampando às suas margens.


Para criar todo esse clima, o diretor Robert Zemeckis se utiliza da mesma técnica de seu premiado Forrest Gump, misturando atores às cenas reais do presidente da época, Bill Clinton, e de outras personalidades da mídia e do jornalismo americano. O resultado de tudo isso é divertido e ajuda a dar realismo ao filme. Infelizmente porém, esse realismo sofre para manter-se quando entra em cena o deslocado e improvável milionário Mr. Hadden, uma figura mais esquisita do que qualquer ET. Se a intenção dos realizadores foi exatamente essa, sinto muito, Hadden ficou no meio do caminho e não passa de uma figura caricata.

Sendo o personagem Mr. Hadden um dos pontos negativos da obra, aproveito para falar de outro problema que me incomoda: a direção de Robert Zemeckis. Apesar de tecnicamente impactante, com cenas belíssimas e inesquecíveis, o diretor fez em Contato um trabalho que emula por demais o estilo de Steven Spielberg nos seus mais irritantes momentos. A típica pieguice no uso da trilha sonora chega a enjoar. Zemeckis é responsável pelos ótimos De Volta Para o Futuro e Uma Cilada Para Roger Rabbit, obras leves e divertidas. Já em filmes mais sérios acho ele desnecessariamente sentimental, assim como Spielberg.

Mas, voltemos à história. Se Drumlin foi o escolhido, por que no final das contas é Arroway que faz a viagem espacial? Pois bem, não vale a pena dar mais spoilers. Só digo uma coisa: temos aqui um roteiro surpreendente e assustadoramente plausível ao mostrar os efeitos que uma notícia desse porte poderia causar nas pessoas, principalmente nos fanáticos religiosos.

Além das qualidades inegáveis do roteiro, os aspectos técnicos são admiráveis. Tanto que Contato impacta ainda hoje, quase 20 anos depois de seu lançamento. A sequência inicial, em que fazemos uma viagem sonora e visual desde a Terra até os confins do universo é maravilhosa. A nave espacial em construção, e depois operando, é bastante realista. Mas inesquecível mesmo é a viagem, não só física, mas também espiritual, de Arroway.
 

O momento que mais me chamou a atenção nessa viagem foi quando ela, diante da beleza do que vê, diz em lágrimas que deveriam ter enviado um poeta, não uma cientista, para descrever o que está diante de seus olhos. É isso: a ciência, com seus números, fórmulas e equações, não dá conta de tudo. Assim, é preciso que o cientista seja humano, demasiadamente humano para chegar à verdade. Essa cena é o ponto alto do filme graças também à intensa performance de Jodie Foster. É emocionante.


Contato não é só um ótimo filme. É um filme necessário. Pois a saga de Eleanor Arroway nos leva a discussões profundas a respeito da ciência e religião, razão e fé, em meio a ignorância da "massa". E como nunca, as ideias de Carl Segan continuam pertinentes (estão aí as reações à empreitada de Hawking que não me deixam mentir). Pois sim, ainda somos a mesma civilização microscópica e insignificante de 20 anos atrás quando esse filme foi lançado. E sim, assim seremos por muitos e muitos anos, habitando esse acidente tão raro e especial chamado Terra. Mas uma coisa é certa, o caminho da verdade e do conhecimento sempre será trilhado, queiram ou não os ignorantes. 

Visto no cinema Leblon, sala 1, em 1997, revisto em DVD em 2008 e em arquivo digital 720p em 2013 e 2016.

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