domingo, 27 de março de 2016

TOOTSIE (Tootsie, 1982)



DUSTIN HOFFMAN NO FIO DA NAVALHA EM UM DOS SEUS MAIORES DESAFIOS COMO ATOR.

país produtor: Estados Unidos da América // direção: Sydney Pollack // elenco: Dustin Hoffman, Jessica Lange, Bill Murray

sinopse: Um ator de teatro fracassado e temperamental (Michael Dorsey) vê que as oportunidades de trabalho estão cada vez mais escassas e resolve se passar por mulher (Dorothy Michaels) para conseguir um papel em uma novela.

Metascore: 87 (from metacritic.com)

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De vez em quando eu revejo filmes que marcaram minha infância com o intuito não só de matar saudades, mas também de tirar a prova se eles são realmente bons. Foi o que eu fiz com Tootsie, eleita pelo American Film Institute a segunda comédia americana mais engraçada de todos os tempos.

Sempre tive lembranças muito positivas de Tootsie pela curiosidade natural de ver um homem como Dustin Hoffman, com um rosto extremamente masculino, fingindo ser uma mulher. E realmente Hoffman compôs um personagem extraordinário, com seu jeito irritadiço de falar e suas improvisações durante as gravações da novela, em que Dorothy interpreta a diretora de um hospital. Claro, precisamos desligar o cérebro para acreditarmos que tudo aquilo é possível sem ninguém desconfiar, mas tudo bem, eis aí a magia do cinema.

Contribui para essa magia o grande equilíbrio entre a farsa e a realidade que o filme provoca no público graças a vulnerabilidade que Hoffman emprestou à personagem. Pois é óbvio que ele não se parece com uma mulher, mesmo que maquiado e fantasiado para tal.


Não pondero em afirmar que foi um dos papéis mais arriscados que um ator premiado e respeitado já aceitou. A chance de dar errado era muito grande e vendo a entrevista que Hoffman concedeu para o American Film Institute, percebo o quanto o ator estava inseguro enquanto compunha o papel. Ele conta que em um determinado momento da fase de pré-produção, queria "ser" uma mulher bonita, o que obviamente foi rechaçado pela equipe de maquiagem e figurino, para sua decepção. Mas foi desse desafio de compor uma mulher feia, mas ao mesmo tempo desejável; uma mulher durona, mas também amiga e amável, que nasceu Tootsie, um dos personagens inesquecíveis do cinema.

Um trecho marcante dessa entrevista pode ser visto aqui: https://youtu.be/xPAat-T1uhE

Tootsie continua um filme atual, apesar de sua datada trilha instrumental, porque tem como enredo não só a troca de identidade, mas também o drama de uma atriz, Julie Nichols, que acredita ter como único dom para vencer na vida a sua beleza. A personagem de Jessica Lange é tão vulnerável quanto a Dorothy de Dustin Hoffman. Cada sorriso e olhar de Lange (que levou o Oscar de atriz coadjuvante) carrega uma tristeza escondida, quase uma culpa, por ser bonita e assim acabar tomando as decisões erradas, ditadas pelas "regras" do mercado machista do cinema e da TV. Nada mais contemporâneo, infelizmente. É um contraponto fortíssimo para a situação vivida por Hoffman e sua Dorothy, tanto na tela quanto na vida real.

Essa crítica sutil ao machismo permeia o filme desde o momento em que Dorothy pisa no estúdio onde é gravada a novela. O diretor nem mesmo se dá ao trabalho de fazer o teste de elenco com ela, devido a sua feiura. É aí então que surge o temperamento forte da personagem, que o desanca na frente de todos, chamando a atenção da produtora da série, que resolve então contratá-la. Depois disso é inevitável o embate com o diretor, ainda mais por ele tratar Julie Nichols, por quem "Dorothy" está apaixonada, como um objeto. 


A despeito de seu início enfadonho que quase dá motivos para um espectador contemporâneo desligar a TV, Tootsie é uma comédia leve, divertida e, principalmente, com um elenco soberbo. Tem qualidades portanto para se manter entre os filmes da minha infância que, mesmo após tantos anos, mantém a aura da primeira descoberta pelo olhar inocente de uma criança. Não é a obra-prima que parte da crítica apregoa, mas é um ótimo entretenimento, que me fez esquecer da vida e dar boas risadas. E além disso termina com um clássico romântico dos anos 80: It Might Be You, com Stephen Bishop.

Visto na TV aberta nos anos 80 e revisto em 2016, em arquivo digital.

domingo, 20 de março de 2016

MELANCOLIA (Melancholia, 2011)

IRREGULAR E INQUIETANTE OBRA DA FASE DEPRESSIVA DE LARS VON TRIER.

país produtor: Dinamarca, Suécia, França e Alemanha // direção: Lars Von Trier // elenco: Kirsten Dunst, Kiefer Sutherland, Charlotte Gainsbourg

sinopse: Dividido em dois atos bastante distintos, Melancolia tem como personagens principais duas irmãs, também bastante distintas. No primeiro ato, uma delas (Justine), em plena festa de seu casamento, está lutando contra a depressão, enquanto a outra (Claire) tenta manter as aparências. Já no segundo, diante do iminente fim do mundo (um planeta chamado Melancolia irá se chocar contra a Terra), Justine parece conformada, sóbria e centrada; já Claire e seu marido não sabem como lidar com a situação.

Metascore: 80 (from metacritic.com)

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Todo fã do grande cineasta Lars Von Trier deve se lembrar do quiprocó que ele arrumou em Cannes ao fazer piada e provocação com um tema caro, o nazismo. Resultado: de queridinho na Riviera, Trier passou a persona non grata. Esse episódio me fez pensar muito na própria condição do cineasta e sua conhecida depressão.


Penso em Trier com compaixão, pois sei que as pessoas não tem paciência para com os enfermos da alma. O depressivo é uma pessoa só, incompreendida. E Trier foi, de fato, incompreendido em suas jocosas (e agressivas) observações. O resultado de tudo isso é mais uma vitória dessa terrível onda do politicamente correto e da geração mimimi. Trier, coitado, devia ter nascido nos anos 70 do século passado. Sua personalidade controversa seria mais bem aceita.

Quando vi Melancolia pela primeira vez nem mesmo sabia, mas esse filme faz parte de uma tal "trilogia da depressão" (deixo aqui um link que a explica muito bem: http://petcomufam.com.br/2014/02/lars-von-trier-e-a-trilogia-da-depressao.html). Pois bem, entrei no cinema ansioso em assistir o que meu falecido pai considerava um dos maiores filmes que ele havia visto. Por isso e pela assinatura desse diretor responsável por grandes obras como Ondas do Destino (1996) e Dogville (2003), esperava muito mais do que me foi entregue, infelizmente.

Pra começar, a festa de casamento que toma todo o primeiro ato me soou muito parecida com a brilhante encenação de Festa de Família (1997), dirigido por seu colega dinamarquês Thomas Vinterberg. Só que, diferente desse filme, Lars Von Trier contou aqui com um roteiro fraco, que insiste na bizarrice e em situações forçadas. O resultado é que isso me afastou do drama da depressão de Justine.


Já o segundo ato de Melancolia, com mais poesia (principalmente visual), é o que salva esse filme do fracasso completo. Não que seja extraordinária, mas há mais humanidade nas situações e nos personagens. Até mesmo as atuações de Kirsten Dunst (agraciada com o Cannes) e de Charlotte Gainsbourg são melhores aqui. E vou te dizer, que esplêndidas são as últimas cenas... Por isso meu conselho é aguentar até o fim. O filme é em muitos momentos chato, mas o final é avassaladoramente belo e angustiante.


Recentemente resolvi rever Melancolia na esperança de ter uma nova percepção sobre o filme. Isso já aconteceu comigo, de entender e gostar de uma obra apenas em uma segunda oportunidade. Mas não foi dessa vez. O drama de Justine continuava sendo sabotado por uma série de situações desnecessárias. Taí um filme que teria o prazer de remontar. Metade das bobagens da festa de casamento iriam para a lixeira.

O que posso dizer para finalizar é que, sem dúvida, Melancolia é um filme instigante e que, na sua ambição nos faz refletir. E isso não pode ser desprezado, assim como a originalidade que é esse apocalipse concebido por Trier. Isso somado ao seu tom pessimista faz de Melancolia um espetáculo memorável para mim, mesmo que dele não goste muito.

Visto em 2011 no Cinépolis Lagoon, no Rio de Janeiro. Revisto em 2015, em arquivo digital.

domingo, 13 de março de 2016

SPOTLIGHT - SEGREDOS REVELADOS (Spotlight, 2015)


EXCESSO DE DIÁLOGOS E POUCA APROXIMAÇÃO COM O PÚBLICO FAZEM DE SPOTLIGHT UM TÍTULO AQUÉM DO PRÊMIO QUE RECEBEU.

país produtor: Estados Unidos da América // direção: Tom McCarthy // elenco: Mark Ruffalo, Rachel McAdams, Michael Keaton, Liev Schreiber, John Slattery

sinopse: Em 2001, um time de jornalistas investigativos do Boston Globe recebe como missão de seu novo chefe a apuração do envolvimento de um padre da cidade em casos de pedofilia. A partir daí descobrem uma rede de proteção de autoridades e membros da alta cúpula católica a dezenas de casos semelhantes. Oscar 2016 de melhor filme.

Metascore: 93 (from metacritic.com)

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A verdade contra a hipocrisia, eis aí o tema central de Spotlight.

Hipocrisia pois era do conhecimento de muitos em Boston que havia algo de errado dentro das paróquias, igrejas e colégios da cidade, entretanto era mais conveniente botar panos quentes, decerto. É estarrecedor, mas muitos outros Spotlights se fazem necessários para que sejam iluminados e (re)conhecidos não só casos de pedofilia, mas o lado obscuro de nossa sociedade e seus esquemas corruptos. Sempre haverá algo de podre no Reino da Dinamarca e é aí que entra o jornalismo investigativo.

Os Estados Unidos é um país que dá uma grande importância à liberdade de expressão e de imprensa. Então não é um acaso que esse escândalo que abalou a Igreja Católica tenha sido descoberto por lá. Não é por acaso também que os melhores filmes sobre o jornalismo, investigativo ou não, venham desse país.

Começo citando o já muito citado Todos os Homens do Presidente (1976), que reconstituiu o caso Watergate, determinante para a renúncia do presidente Nixon. Há também O Informante (1999), sobre o poder e o lobby da indústria do cigarro. E não posso deixar de falar de um filme que denuncia o jornalismo sensacionalista: O Quarto Poder (1997), além, é claro, do grande clássico Cidadão Kane (1941), sobre um jornalista que funda um império da informação e pouco a pouco corrompe os seus ideais. Qualquer profissional do jornalismo deveria ver essas obras e, agora também, Spotlight, que dá prosseguimento à boa tradição americana em falar sobre o ofício de informar.

Spotlight ganhou o Oscar 2016 de melhor filme em língua inglesa devido a essa cultura jornalística e tradição cinematográfica, não tenho dúvida disso. É um produto tipicamente americano e esse prêmio é sinônimo da aprovação da Academia à seriedade do tema e sua importância histórica. E realmente o filme é perfeito na sua sobriedade. Combina com o bom jornalismo.


Contudo, acredito que Spotlight é um filme que não está a altura desse grande prêmio. Claro, ele não é ruim e nem a sua escolha foi de toda injusta. Mas seu excesso de diálogos fez essa obra me parecer pobre em termos dramáticos. Há outras formas de se reconstituir tais fatos, acredite.

Entenda o que eu quero dizer. O cinema, antes de ser diálogo, é imagem. É ação, pura e simples. É pobre do ponto de vista estético um filme como Spotlight, em que 90% das cenas são suportadas pela fala dos atores. E a implicação de tantos diálogos vai além da questão formal ou artística. Em Spotlight você quase não respira, quase não há tempo para absorver a cena anterior, pois a próxima trará uma nova informação, que você tentará absorver e conectar aos nomes que você associa aos personagens e fatos, perdidos em dezenas de outras cenas, cheias de diálogos, sempre, e que são o quebra-cabeças da investigação. Ufa...

Por essa razão achei Spotlight um filme chato em alguns momentos. Podia ser diferente? Podia. Era só trabalhar com menos nomes e fatos, condensando os menos relevantes para o desenrolar da história, dando à plateia oportunidade de respirar e refletir. Uma boa edição também ajudaria a amenizar o excesso de informação que bombardeia o espectador.

Acredito também que faltou ir mais fundo na questão da hipocrisia, que citei lá em cima. O filme ganharia muito em impacto se o drama e a culpa do personagem de Michael Keaton fosse o norte do roteiro (no passado ele teve a oportunidade de desvendar esse mesmo caso, mas nada fez). Quantos de nós não se identificariam mais com o filme se víssemos em algum personagem, de forma mais contundente, nossas próprias angústias, medos e erros? Falta em Spotlight algo que considero essencial em qualquer bom roteiro: aproximação e dialogo com o público.


Se o roteiro desse filme não me agrada, em contrapartida achei muito boa a direção do pouco conhecido Tom McCarthy. Ele deu o tom certo ao filme, ajudado pela excelente trilha sonora e o elenco bem escalado e coeso.

Sem dúvida importante, Spotlight deve ser visto sem que dele se espere divertimento. O tema pesado, o grande número de informações e a forma como tudo foi encenado fazem desse um título difícil de agradar ao grande público. Mas a sua relevância histórica o coloca em uma posição acima de seus outros concorrentes, o que foi determinante para ser agraciado com o Oscar de melhor filme.

Visto em 2016, em arquivo digital.

domingo, 6 de março de 2016

O REGRESSO (The Revenant, 2015)


TECNICAMENTE IMPRESSIONANTE, MAS CARENTE DE UM SENTIDO MAIOR, ASSIM É O FILME MAIS COMENTADO DO OSCAR 2016.

país produtor: Estados Unidos da América // direção e roteiro: Alejandro G. Iñárritu // elenco: Leonardo DiCaprio, Tom Hardy

sinopse: Após ser atacado por um urso, o caçador de peles Hugh Glass é abandonado por sua equipe para morrer, devido à gravidade dos ferimentos. Mas ele sobrevive e começa uma jornada de retorno, lutando contra as adversidades da gélida natureza selvagem do velho oeste americano.

Metascore: 76 (from metacritic.com)

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OK, a direção é impressionante, os planos sequências são assombrosos, mas nada disso levaria tanta gente ao cinema e nem geraria tanto zum-zum-zum se não fosse Leonardo DiCaprio. Sim, ele é o dono desse filme. Oscar mais do que merecido para esse ator, por seu talento há muito conhecido e pela entrega ao personagem Hugh Glass.

Pois foi graças a essa entrega e a uma rede de notícias e boatos que foram fomentados pela cada vez mais sensacionalista internet, que parte considerável da audiência foi aos cinemas. A curiosidade acerca desse "tudo ou nada" do ator na conquista do aguardado Oscar, após quatro frustrações, tornaram O Regresso um campeão em trending topics e rastags na grande rede. As pessoas estavam indo ao cinema para "presenciar" um ator ícone do cinema contemporâneo sofrer de frio, ser esmagado por um urso, comer um fígado de búfalo mesmo sendo vegetariano, dormir dentro de uma carcaça de cavalo. O Regresso, com sua estética hiper-realista, virou de alguma forma uma espécie de reality-show estilo Survivor, onde o personagem principal é DiCaprio. Ponto para a ótima direção de arte e efeitos visuais.


Mas enxergar DiCaprio, e não Hugh Glass, vivendo uma gelada e terrível jornada de sobrevivência é o problema menor aqui. Mas calma, não acho essa obra ruim. O Regresso é sim um belo e impressionante filme. Mas, lamentavelmente, a minha sensação foi de ter visto uma história um tanto vazia, que pouco me trouxe de recompensa. O sentimento de "e daí?" que se seguiu ao fim da sessão me fez minimizar o impacto do apuro técnico da produção. No meu olhar, faltou um propósito maior nessa aventura de duas horas e meia. Faltou, em uma análise mais direta, um roteiro melhor trabalhado que desse a Glass um arco dramático que me satisfizesse ao acender das luzes da sala de cinema.

Arco dramático de um personagem é como se denomina a transformação que esse passa desde o início do filme até o seu final. Temos milhares de exemplos na dramaturgia de personagens que começam a sua aventura de um modo e terminam de outro, mais maduros, mais ricos, com algum ensinamento, com uma bela amizade, com sua personalidade modificada, para melhor ou para pior. De Cidadão Kane a Dança com Lobos, passando por O Poderoso Chefão e Karatê Kid, o arco dramático é basilar na nossa cultura de entretenimento, desde a Grécia Antiga.

Agora eu pergunto, qual o arco dramático do personagem Hugh Glass? Aprendeu algo com a natureza selvagem? Com alguém que tenha encontrado pelo caminho? Com seu inimigo? Com os índios? Pois é...

Contudo, foi muito prazeroso assistir esse filme. As imagens são deslumbrantes obras de arte. Não há nada na história do cinema comparável. Filmado com um rigor técnico absurdo, Alejandro González Iñárritu (diretor) e Emmanuel Lubezki (cinematografia) fazem aqui uma ode de amor ao ofício de fazer cinema.


Foram nove meses enfrentando as temperaturas negativas do Canadá e Argentina, sempre aproveitando a luz do entardecer. O Regresso é uma tour de force que deve ter exigido muito não só de DiCaprio, mas de toda a equipe técnica e elenco. Pelas características da produção, pela qualidade da cinematografia e jogo de câmera, esse é, sem dúvida, um filme ímpar.

Alejandro González Iñárritu prova mais uma vez que é o maior diretor da atualidade. Amores Brutos, 21 Gramas, Babel, Biutiful, Birdman... Nenhum desses títulos se destaca pela perfeição, mas sim pela ousadia e apuro técnico. Assim também é O Regresso, um filme imperfeito, mas belo e ambicioso.

Visto em 2016 em cópia dublada, no cinema do JL Shopping Center de Cascavel.