domingo, 28 de fevereiro de 2016

RASTROS DE ÓDIO (The Searchers, 1956)


SUPERVALORIZADO, SÓ VALE PELA BELÍSSIMA FOTOGRAFIA.

país produtor: Estados Unidos da América // direção: John Ford // elenco: John Wayne, Jeffrey Hunter, Natalie Wood

sinopse: Em 1868, o veterano ex-oficial confederado Ethan Edwards (John Wayne) retorna da Guerra Civil Americana e vai para o rancho de seu irmão na zona rural do Texas. Pouco tempo depois de sua chegada, os Comanches matam seu irmão e sua cunhada e raptam as duas filhas, uma delas ainda menina. Ele então parte em uma jornada de anos, em busca delas.

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Rastros de Ódio retrata um período difícil para a população do Texas, em que a derrota na Guerra Civil Americana e os ataques de tribos indígenas a fazendeiros tornaram a vida por ali um verdadeiro inferno. A história do filme é simples: um ex-combatente, interpretado por John Wayne, retorna a fazenda da sua família e, após algum tempo, testemunha o massacre por indígenas de todos que lá residiam. Diante das evidências que suas duas sobrinhas foram raptadas pela tribo, resolve nos próximos anos se dedicar a encontrá-las.

Não há como negar o pano de fundo racial dessa obra. O título no Brasil caiu muito bem, pois há realmente um ódio que move o personagem de Wayne nessa jornada. Cenas fortes retratam isso, como a que ele atira no túmulo descoberto de um índio com o intuito de ferir-lhe os olhos, já que os índios acreditam que precisam da visão intacta para encontrar o paraíso.

Acusada de racista, essa obra dá, em inúmeras cenas, razão para isso. Há uma clara predileção dos realizadores em desumanizar os índios, mostrando-os como meras caricaturas. Há ainda uma cena horrorosa, lá pelo meio do filme, em que vemos duas mulheres brancas que foram resgatadas do julgo dos índios. Essa cena define a mensagem que o filme quer deixar para o público. Foi difícil para mim passar por essa cena e continuar a assisti-lo, não por ser favorável a causa indígena ou algo do gênero, mas por ver nesse filme um tipo de simplificação que me enoja.

Além da problemática social ser mal analisada, o enredo do filme é muito mal desenvolvido. Os personagens são ruins, os diálogos são enfadonhos e, principalmente, a encenação é uma lástima, repleta de afetações do elenco e cenas cômicas deslocadas e tolas. John Ford fez, nesse sentido, um péssimo trabalho.


A maior qualidade do filme é a cinematografia esplendorosa de Winton C. Hoch. A primeira cena é um deslumbre técnico impactante. Esse alto nível é mantido em vários outros momentos, lindamente iluminados, como poucas vezes se viu na história do cinema. Mas é uma pena que nem sempre a continuidade é mantida. Percebe-se claramente uma diferença de tratamento cinematográfico entre as cenas externas e as de estúdio.

Rastros de Ódio é um filme que passou despercebido em seu lançamento, mas que foi fazendo fama com o passar dos anos, até ganhar a aura de um dos melhores faroestes de todos os tempos. Realmente não dá para entender. Os problemas dessa obra estão muito aparentes. Esta aí um caso a ser estudado...

Visto nos anos 90 em DVD e em 2014 e 2015, em arquivo digital.

domingo, 21 de fevereiro de 2016

ALI (Ali, 2001)



ESQUEÇA TOURO INDOMÁVEL OU ROCKY. AS MELHORES CENAS DE BOXE ESTÃO AQUI NESSE FILME.

país produtor: Estados Unidos da América // direção: Michael Mann // elenco: Will Smith, Jamie Foxx, Jon Voight.

sinopse: Biografia do boxeador Muhammad Ali (nascido Cassius Clay).

Metascore: 65 (from metacritic.com)

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É um desafio e tanto retratar 10 anos tão intensos para a cultura, política e boxe como o período de 1964 a 1974. Da emergência dos movimentos negros, passando pelos protestos contra a Guerra do Vietnan, Cassius Clay foi, como nunca na história do esporte, um personagem protagonista.

Dificilmente uma cinebiografia desse incrível boxeador poderia renegar a sua atitude política em não se alistar, de estar ao lado dos negros oprimidos e segregados, além de sua polêmica opção religiosa e mudança de nome para Muhammad Ali. No entanto, nesse contexto bastante complexo e amplo faltou, infelizmente um rumo certo para o roteiro. São duas horas e quarenta minutos de filme em muitos momentos mal aproveitados por essa falta de foco narrativo.

Mas como resolver isso? Talvez focando o filme nos acontecimentos da até hoje considerada como a maior luta de todos os tempos, entre Muhammad Ali e George Foreman, no Zaire. Afinal, essa luta, já narrada de forma estupenda no filme documentário Quando Éramos Reis, teria, com alguma dramatização, elementos narrativos para manter o interesse da platéia. Botando nessa receita alguns flashbacks de momentos chaves da trajetória de ambos os lutadores teríamos, acredito eu, um roteiro mais eficiente. Você concordando comigo ou não, uma coisa é fato: do jeito como a coisa ficou, Ali não passa de uma colcha de retalhos que pode causar tédio em alguns momentos em vez de entreter.

Vamos então falar das coisas boas: temos aqui uma direção estupenda de Michael Mann. O que esse cara fez é algo que coloca as lutas desse filme em um patamar acima do que eu já havia visto em filmes como Touro Indomável ou Rocky. Além do rigor histórico, Mann conseguiu transmitir com intensidade como realmente é uma luta de boxe, sem afetações e dramatizações desnecessárias. Os golpes são dados de forma crível, sem as facilidades que vemos nos filmes citados. Há ainda uma ótima edição de som e de imagem que faz com que a encenação de lutas clássicas, como Cassius Clay vs. Sonny Liston sejam o ponto alto do filme.


Infelizmente, sobre a mítica luta no Zaire, há aqui um erro histórico. Muhammad Ali, diferente do que o filme mostra, dominou grande parte dessa luta. Desde o primeiro round foi ele quem desferiu os golpes mais impressionantes, principalmente se aproveitando da guarda aberta pelo meio de George Foreman. Seus diretos de direita, um golpe totalmente improvável e afrontoso, desestabilizaram psicologicamente Foreman, que no quinto round foi salvo pelo gongo diante de um avassalador contra-ataque de Ali, que quando podia emergia das cordas e inchava seu rosto.

Era senso entre os presentes, após esse quinto round, que seria questão de tempo para Ali ganhar a luta frente a um cansado Foreman. Dessa forma, não dá para engolir o corner de Ali gritando no oitavo e decisivo round "não vá para as cordas", quando era senso entre todos que essa tática estava sendo genial e cansando o oponente.

A tática de usar as cordas não foi uma ideia alucinada de Ali, mas algo premeditado. Tanto que antes da luta iniciar o treinador dele foi filmado afrouxando-as, na maior cara-de-pau. Sim, no boxe até os mais geniais lutadores tem que ter suas malandragens.

Nunca se viu uma luta como essa, em que tal quantidade de golpes de um lutador (Foreman) poderiam ser tão pouco eficientes. Já Ali, com uma tática perfeita de contra-ataques e diretos no meio da guarda de Foreman, deu uma aula de técnica e eficiência, até hoje reverenciada pelos amantes desse incrível esporte.

Para quem tiver curiosidade, esse duelo histórico está no Youtube: https://youtu.be/55AasOJZzDE

Pois bem, Ali, apesar de seus problemas de roteiro, é um espetáculo de grandes qualidades, respeitoso para com o boxe, tecnicamente impecável e com diversos momentos de pura arte, como era a técnica de Muhammad Ali. Merece ser visto, mesmo por quem não é fã do lutador.

Visto em 2015, em arquivo digital.

domingo, 14 de fevereiro de 2016

PACÍFICO - O OUTRO LADO DA GUERRA (The Pacific, 2010)


UMA SÉRIE MAGNÍFICA. TÃO BOA OU MELHOR QUE BAND OF BROTHERS.

país produtor: Estados Unidos da América // produtores: Steven Spielberg, Tom Hanks, Gary Goetzman // elenco: James Badge Dale, Jon Seda, Joseph Mazzello

sinopse: A história de três fuzileiros navais americanos na guerra contra o Império japonês no oceano Pacífico durante a Segunda Grande Guerra. Série baseada em dois livros de memórias de integrantes da Marinha dos Estados Unidos, With the Old Breed: At Peleliu Okinawa, de Eugene Sledge, e Helmet for My Pillow, de Robert Leckie.

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É impossível escrever sobre essa série em 10 episódios sem citar a sua "irmã", Band of Brothers. Por isso, vou logo de cara afirmando que as duas séries produzidas pela HBO em parceria com a DreamWorks (de Steven Spielberg) são igualmente muito boas, nenhuma delas perfeita. E um aviso: esse meu extenso comentário está repleto de spoilers. Se você não viu The Pacific, pare por aqui.

Para quem não está familiarizado com os eventos da Segunda Guerra Mundial, Pacífico retrata a guerra dos fuzileiros navais americanos contra o Japão, tendo como palco ilhas inóspitas do Pacífico. Essa foi uma guerra muito diferente da travada em solos europeus e africanos, contra os fascistas de Musolinni e o nazismo alemão de Hitler. Além da dificuldade que envolve a conquista de uma ilha, por mais mísera que ela seja, havia ainda o espírito altamente beligerante e fanático do soldado japonês, que, reiteradamente desrespeitava as convenções e tratados de guerra, transformando essas ilhas em território para o mais puro sadismo. Por isso, em situações como as mostradas, de terrível insalubridade e insanidade, não havia muito espaço para patriotismo ou atos heróicos.


Não é a toa, muitos ex-combatentes sentiram-se incomodados com o retrato pintado onde soldados americanos, levados ao limite emocional, também cometeram muitos crimes de guerra. Mas, será que existe guerra limpa, realmente? Seja qual for a resposta, o fato é que essa série, infelizmente, pouco mostra das motivações para o inacreditável espírito de combate dos "japs", o que tornava quase impossível a negociação e a rendição. Lamentavelmente, quase não vemos aqui os japoneses cometendo crimes de guerra. E não foram poucas as atrocidades documentadas e levadas aos tribunais do pós-guerra... É senso comum entre os historiadores o caráter fanático dos japoneses como a principal causa do derramamento de sangue nas ilhas do Pacífico. Olhando por esse lado, não dá para não dar razão aos ex-combatentes.

Um aspecto bastante positivo de Pacífico é que, do ponto de vista narrativo, a série é bem mais ousada do que Band of Brothers. Apesar de respeitar uma linearidade temporal, aqui temos três histórias sendo contadas, correndo em paralelo. Valendo-se de personagens reais, temos então um herói de guerra que se destaca pela coragem e pela perícia com armamento - John Basilone; um inexperiente Eugene Sledge, (que tem um bom arco dramático em que acompanhamos a sua evolução como fuzileiro em meio ao horror) e, finalmente, o mais complexo dos personagens e que tem, ao meu ver, o destino mais insatisfatório: Robert Leckie.


Começando por Robert Leckie, acompanhamos sua estada em Guadalcanal. E aqui vai um ponto negativo: as cenas de guerra desses primeiros episódios não conseguiram retratar o horror desse lugar e a insalubridade de tudo. Muito escuras e confusas, me fizeram pensar o que havia acontecido com o padrão exibido em Band of Brothers e Saving Private Ryan, de Spielberg.

Nessa mesma ilha, John Basilone se destaca e é enviado para os EUA, para ajudar na campanha de arrecadação de títulos de guerra. Já Leckie e os demais marines ficam por meses em Melbourne, o único momento de paz que viveriam durante a guerra. Leckie vive nessa bela cidade um romance que, no final das contas, de nada acrescentará para a sua trajetória na série. Apesar da lindíssima cena de sexo que esse romance proporcionou, sinto que essa história poderia ser limada, pois sua conclusão a transformou apenas em algo frustrante e incompleto para o público.

Os melhores episódios são lá pelo meio da série, quando entra em cena, definitivamente, Eugene Sledge. As cenas de batalha em Peleliu para a tomada de uma pista de pouso e das montanhas de rocha ao redor são impressionantes. A engenhosidade dos diretores em recriar esses eventos, o domínio narrativo e dramático, a entrega do elenco, os efeitos visuais e sonoros, a perfeita equação de música e montagem em um timing perfeito, fazem dessas cenas uma das melhores que já vi em toda minha vida.

Logo em seguida vem o momento mais triste da série: o destino de John Basilone, que morre em Iwo Jima após se alistar novamente. Apesar do patriotismo de sua escolha, fica o gosto amargo da banalidade da morte naquela ilha inóspita. E assim a série perde um personagem com uma trajetória bastante ampla, com ações em campos de batalha, treinamentos em academias (ele foi instrutor por um tempo) e em um dos lados menos lembrados da guerra, que é o ligado a propaganda e angariação de recursos. Hoje Basilone é lembrado como um dos grandes heróis da Segunda Grande Guerra.


A partir da morte de Basilone e da baixa de Leckie por ferimentos em Peleliu, a série foca em Sledge e seus companheiros às voltas com a invasão a Okinawa. São os momentos em que vemos civis sendo mortos deliberadamente por raiva, mas também por medo de que carregassem explosivos ou fizessem parte de algum plano de emboscada. A dramaticidade desses eventos mostra que guerras não são lutas apenas entre soldados. A morte de civis é o lado mais perverso e chocante de um conflito bélico.

Quando a situação em Okinawa estava praticamente resolvida, eis que tem-se a notícia das bombas nucleares sobre Hiroshima e Nagasaki, eventos esses tão dramáticos que puseram um fim ao conflito. Em comentários que li em outros sites, percebi que alguns ficaram decepcionados por esses ataques ficarem restritos a uma conversa entre os fuzileiros, na base do “ouvi dizer que”. Não concordo com essas críticas. A série foca na vida (ou na desgraça) desses americanos, apenas isso. E esse foco é a força da série. Nada mais natural portanto que as ações que os fuzileiros não fizeram parte, como o lançamento das bombas, ficassem restritos a uma conversa e vagas informações. Em termos narrativos, muitas vezes menos é mais.

Aqui faz-se necessário um adendo: uma guerra nunca é vencida apenas por um tipo de frente. Além dos fuzileiros, havia uma guerra marítima sendo travada, havia a aviação e, claro, a guerra do conhecimento, cujo maior exemplo é a quebra de códigos secretos e a corrida pela fabricação da primeira bomba atômica. Essa última guerra, secreta, é naturalmente a guerra do “ouvi dizer que”. Foram preciso três dias para o Japão, atônito, se render diante da força destruidora daquilo que japoneses e também os marines americanos não compreendiam ainda. Foi uma cartada de mestre. A invasão à principal ilha do Japão levaria a guerra no Pacífico a um número absurdamente mais elevado de vítimas civis e militares. Para se ter algum parâmetro de comparação, na invasão a Okinawa, mais de cem mil civis foram mortos ou cometeram suicídio. Em um bombardeio a Tokyo, com dois mil aviões, mais de setenta mil civis morreram em meio a uma cidade ardendo em chamas. Mas se esses números não o convencerem, há ainda o fato de que a URSS estava pronta para invadir o Japão pelo norte, no que poderia resultar hoje em um país dividido, da mesma forma que ocorre com a Coréia até os dias de hoje. As bombas fizeram nascer um Japão da paz, como canta Gilberto Gil.


Infelizmente, me frustrei com o décimo e último capítulo da série. Achei-o um anticlimax. A volta pra casa, a readequação dos soldados à vida civil, a falta de rumo, os traumas de guerra, tudo isso poderia ser melhor explorado dramaticamente. O ritmo mais lento dessa episódio realçou essa minha impressão, no que eu acredito ter sido o único vacilo da edição, até então impecável.

Finalizando, The Pacific é uma série sensacional que, compreensivamente, sofre com as comparações frente a popularidade de Band of Brothers. Mas, para mim, esse magnífico espetáculo não fica nada a dever a sua antecessora, muito pelo contrário, pois a completa, sendo uma experiência inesquecível para todos que, como eu, adoram filmes de guerra.

Visto em 2015, em arquivo digital.

domingo, 7 de fevereiro de 2016

DANÇA COM LOBOS (Dances with Wolves, 1990)


UM CLÁSSICO ETERNO SOBRE RESPEITO, EDUCAÇÃO E AMIZADE.

país produtor: Estados Unidos da América // produção e direção: Kevin Costner // elenco: Kevin Costner, Mary McDonnell, Graham Greene, Rodney A. Grant, Floyd 'Red Crow' Westerman

sinopse: Durante a Guerra Civil Americana, o tenente confederado John Dunbar se torna involuntariamente um herói e assume, por opção, no posto mais próximo da fronteira com o Canadá, no que hoje é o Estado de Dakota do Norte. Lá ele inicia uma amizade com uma tribo de índios Sioux ao mesmo tempo em que se preocupa com a iminente e inevitável ocupação dos brancos a esse território, desde sempre ocupado pelos índios.

Metascore: 72 (from metacritic.com)

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No início dos anos 90 Kevin Costner surpreendeu o mundo ao anunciar que iria produzir, dirigir e protagonizar Dança com Lobos, um faroeste com mais de três horas de duração. Ator em ascensão, Costner nunca havia dirigido um filme, nem mesmo um mero curta metragem. Roteirizado pelo desconhecido Michael Blake, esse épico seria falado em grande parte no dialeto das tribos Sioux que habitaram as grandes pradarias dos EUA, o que necessitaria do uso de legendas. O tema - a conquista do Oeste - era tido como ultrapassado pela indústria cinematográfica. Não à toa, previa-se em Hollywood um retumbante fracasso. Para completar, Costner estourou o orçamento de 15 milhões de dólares e empenhou 3 milhões das suas próprias economias para terminar o filme do jeito que imaginava.

Mas eis que com o filme pronto toda essa desconfiança se esvaiu. Pois bem... Dança com Lobos se revelou não só um grande filme, vencendo meses depois 7 Oscars, mas também se tornou a terceira maior bilheteria de 1990, indo muito além do que os mais otimistas acreditavam.

Apesar de todo esse surpreendente sucesso, até recentemente eu considerava essa obra como um produto típico para ganhar Oscar, embalado por um discurso açucarado e politicamente correto. Mas, graças ao acesso que tive a uma versão estendida, com 4 horas de duração, me entusiasmei por revisitar esse filme. Preciso de vez em quando por minhas crenças a prova e era a vez de fazer isso com um "director's cut". Foi uma boa tática.

Foi então que um novo filme se revelou para mim. Antes eu o havia assistido em fitas VHS, em uma TV de 21 polegadas; agora a qualidade digital somada a uma TV widescreen de 46 polegadas ampliou em muito meus horizontes. Mas não foi só. Entendi o propósito do filme. Entendi a cabeça do realizador e a ideologia contida em cada uma das cenas filmadas lindamente por Kevin Costner. Abri minha mente de tal forma para a saga de John Dunbar que por diversas vezes me emocionei.


Agora, para escrever essas linhas, revi o filme... Uau! O impacto continua o mesmo! Que poder Dança com Lobos tem, a ponto de eu não me cansar de reviver e rememorar suas passagens e seus diálogos?

Pergunto isso pois, claro, sei que está tudo lá que os detratores do filme criticam: o discurso fácil e simplista do "índio ecológico" em contraste aos invasores brancos e consequente destruição à natureza selvagem. Está também o repetitivo padrão do herói branco e altruísta, que salva os menos favorecidos e minorias. Há ainda uma certa negligência do roteiro às tradições e costumes indígenas, além de erros em relação aos diálogos sioux. Ok... Mas mesmo assim eu me pergunto: por que meu coração não dá importância a esses detalhes? Que mágica é essa que faz esse filme tão especial não só pra mim, mas para uma legião de fãs que só aumenta? Será que sou capaz de responder? Vou tentar.


Dança com Lobos é um filme que, como nenhum outro,  retrata a traumática "conquista do oeste" sem fazê-la soar piegas ou maniqueísta. Para isso, Kevin Costner e Michael Blake conseguem, com grande equilíbrio, mostrar que o bem e o mal não são atributos determinados pela cor da pele, mas sim por um senso íntimo de moralidade e ética, encontrado em qualquer etnia.

O contexto histórico em que se passa a história é pincelado aqui e ali, de forma natural. As informações sobre as rusgas entre índios e brancos são passadas em pequenos momentos, como quando o Tenente John Dunbar pede para ser lotado no posto mais próximo da fronteira, para vê-la "antes que acabe". Ou então quando ele, a caminho do posto, pergunta sobre os índios, no que escuta adjetivos pouco abonadores e ignorantes sobre esse povo, e balança a cabeça, negativamente.

Quando John Dunbar chega ao posto o cenário é desolador. Abandonado, há animais mortos e lixo no entorno. Mesmo diante desse cenário, John Dunbar resolve ficar. E então, sozinho, começa a arrumar a bagunça, sempre a espera da próxima caravana, que nunca chega.

Eis então que aqueles por quem ele sempre perguntou (e temeu) aparecem: índios de uma tribo próxima, que tentam furtar por três vezes seu cavalo Cisco. O tenente, temendo o pior, começa uma aproximação. É aí que somos conquistados. John Dunbar se revela um modelo de cavalheirismo e respeito para com o "outro", o diferente, de uma forma tão arrebatadora que é impossível não se emocionar e se identificar.

Assim, Dança Com Lobos celebra o que há de melhor no ser humano. Celebra a amizade, a vontade de cativar e aprender com as diferenças. Celebra o encontro de pessoas boas, com bons propósitos e ideais e que, infelizmente, seriam uma ilha de civilidade em meio ao ódio e a ignorância que marcou a relação dos brancos para com os índios.

Mas Dança com Lobos não é somente John Dunbar. Além do tenente, a gama de personagens cativantes se completa com os inesquecíveis Kicking Bird (Pássaro Esperneante), Wind In His Hair (Vento no Cabelo), Ten Bears (Dez Ursos) e Stands with a Fist (Em Pé Com um Punho).


Com um ritmo todo especial, Dança com Lobos é um filme que não tem pressa de contar a sua história, algo raro e bastante gratificante de se ver. É linda a aculturação de John Dunbar. Contudo é relevante observar que ela se deu por um desejo natural e emocional do personagem, que se desenvolve pouco a pouco. Se o acaso contribuiu para que ele se unisse a tribo, determinante foi o seu coração e a sua relação, sempre de igual para igual, olho no olho, com os índios Sioux. Não há um mínimo de prepotência no tenente, mas sim, humildade. É um personagem apaixonante.

Os índios, especialmente Vento nos Cabelos e Pássaro Saltitante, também se deixam fascinar, pouco a pouco, por John Dunbar, quando percebem nele o mesmo amor ao mundo natural que eles nutrem. Sua relação com o lobo Duas Meias, sua amizade com o cavalo Cisco, fazem parte não só da sua jornada, mas se estendem à própria produção do filme: nos créditos finais, os animais treinados para "interpretar" esses personagens estão relacionados junto ao elenco, em uma prática incomum e que diz muito sobre os propósitos dessa obra.


Dança com Lobos é um raro filme que, antes de ser analisado por aspectos técnicos ou de forma racional, deve ser visto como uma experiência emocional. Para mim, nunca um filme de quatro horas foi tão gratificante de assistir, a ponto de eu já sentir saudade de seus personagens e lembrar com carinho de algumas cenas.

Que mágica é essa? Será que fui capaz de responder? Acredito que não... Só mesmo vendo esse filme e se deixando levar, na jornada do tenente John Dunbar, para entender tudo que eu estou falando.

Versão de 3 horas vista em VHS em 1991. Director's Cut, com 4 horas de duração, assistido em arquivo digital, em 2014 e 2016.